História
"Em meus seis períodos de vida parlamentar, sempre estive preocupado com o ensino no País. Sempre me preocupei com que a formação cultural fosse acessível a toda população brasileira. Quando cheguei ao governo do Estado de São Paulo, pude consolidar minhas ideias. Logo após a minha posse, fui à Europa para verificar in loco o que se fazia em termos de aprimoramento cultural nos veículos de comunicação de massa. Ao voltar, reuni uma comissão para estudar a constituição de uma entidade para a difusão da educação e da cultura pela televisão e pelo rádio. Deveria ser criada uma sociedade civil, com dotação do Estado, mas desvinculada do poder governamental transitório. E assim, surgiu a Fundação Padre Anchieta (...)"
Roberto Costa de Abreu Sodré
idealizador e fundador da FPA

Detalhe de obra de Antonio Lizarraga – Acervo Fundação Padre Anchieta
Era setembro de 1967. O Governo do Estado, então liderado pelo governador Roberto Costa de Abreu Sodré, criava a Fundação Padre Anchieta. Ninguém poderia imaginar, naquela época, que dali a um ano, com o nascimento do seu primeiro canal, a TV Cultura, estariam por vir inúmeras histórias de transformação cultural, com direito a algumas polêmicas e uma certa dose de censuras políticas durante o período militar.
Instituída e mantida pelo poder público, a Fundação nascia livre. Em seu estatuto, estava criada uma entidade de direito privado, com seu rumo desvinculado das vontades políticas dos governos estaduais.
Primeiro vieram as obras, os prédios. Depois os artistas, que formavam o Conselho Curador e a Diretoria. E então os equipamentos. O logotipo. A equipe inicial reunida pelo presidente, José Bonifácio Coutinho Nogueira, elaborava um cronograma de trabalho para colocar no ar a TV Cultura em 1969. O trabalho era intenso e a expectativa era enorme.
Em 15 de junho de 1969, após dois meses de transmissões experimentais, finalmente entravam no ar os discursos do governador Roberto de Abreu Sodré e do presidente da Fundação Padre Anchieta, apresentando ao povo brasileiro a nova emissora e os programas que passariam a ser veiculados com as transmissões regulares.

Teleaulas, musicais, esporte, livre imprensa, programas de opinião, documentários, cinema. Desde o princípio de sua atuação, a Fundação Padre Anchieta priorizou temas urgentes e inéditos para contribuir com a formação de uma cidadania brasileira qualificada. Como foi o caso do "Curso de Madureza Ginasial": uma série de teleaulas que concorria com novelas nos outros canais da TV pública da época. Cada aula tinha duração de 20 minutos e sua audiência era recorde. Com seu sucesso, vinham os telepostos, organizados pelas Secretarias da Educação de SP. Assim, os alunos podiam aprender em grupo, com a presença física de um orientador. A transformação estava acontecendo.



Ainda na primeira semana de transmissões da TV Cultura, iniciava também o polêmico "Jovem, Urgente", produzido por Walter George Durst e apresentado pelo psiquiatra Paulo Gaudencio. Gravado com a participação do público, tinha a proposta de debater o comportamento da sociedade - em particular dos jovens - numa época especialmente explosiva. No ano anterior, o movimento estudantil havia eclodido com toda a força na Europa. Nos Estados Unidos, nascia o movimento hippie e pipocavam os movimentos pacifistas contra a guerra do Vietnã. No Brasil, onde já se ouviam os acordes dissonantes do tropicalismo, os estudantes saíam às ruas para protestar contra o regime militar e procuravam acompanhar as mudanças culturais que aconteciam em outros países. Nesse clima de inquietação e em plena vigência do AI-5, "Jovem, Urgente" buscava discutir temas como liberdade de opinião, virgindade, conflitos de gerações e outros tabus sexuais e culturais. Se o programa evidenciou a independência editorial da TV Cultura, marcou também o início dos problemas que a emissora viria a enfrentar com a censura.
Enquanto isso, todas as semanas, uma orquestra de cordas era levada a um pátio de escola ou de uma fábrica, para que estudantes e operários pudessem ver de perto o trabalho dos músicos que se apresentavam na programação da TV Cultura. E, então, em 1971, foi lançado o primeiro programa de caráter noticioso e isento de opinião, "Foco na Notícia", em plena guerra do Vietnã – fato que acabou rendendo mais uma tentativa de censura com duras críticas, desta vez vindas do consulado americano.
Nos três primeiros anos de atuação, a TV Cultura colocou no ar mais de oitenta séries diferentes, entre produções próprias e adquiridas de terceiros. Era um período de consolidação da emissora como entidade livre e democrática.
Com a troca de governadores, em 1971, a Fundação viria a enfrentar sua primeira grande prova de fogo: a tentativa do novo governador de retirar sua independência. Porém, com a proteção do Estatuto, a tentativa de modificar a vocação cultural da emissora foi frustrada. Mas não evitou o que ficou conhecido como “asfixia financeira”: pouco a pouco as verbas destinadas à manutenção da TV Cultura iam sendo reduzidas, o que levou à saída de José Bonifácio Coutinho Nogueira da Presidência da Fundação. Naquele ano, em solidariedade, todos os diretores também pediram demissão.
Mas a fase que viria, sob a presidência de Rafael Noschese, ganharia o reforço das primeiras turmas formadas pelo curso de Rádio e TV da Escola de Comunicações e Artes da USP. A emissora seguia, portanto, firmando seu espaço por meio de programas inovadores, como o célebre infantil Vila Sésamo, e pela busca contínua de construir uma programação cultural e educativa séria, competente e, ao mesmo tempo, atraente aos olhos do grande público.
Hoje, pode-se dizer que a Fundação Padre Anchieta é uma soma de todos esses fatos históricos que marcaram não apenas suas emissoras, mas uma nação inteira. Uma instituição que jamais se curvou aos episódios políticos. Uma instituição que continuou a exercer seu papel, sob inúmeros desafios e censuras, de formar culturalmente milhões de brasileiros. Acreditando em seu pleno direito à independência e no exercício da democracia.